Pelo número que aparece no celular, Andressa* sabe que vai dormir fora de casa. Há um ano Nicolas* é seu cliente. Executivo italiano da indústria do petróleo, ele vem regularmente ao Brasil. Assim que desce do avião, telefona para Andressa e segue para o restaurante do hotel Fasano – um dos melhores do Brasil, onde um prato pode custar até R$ 350, um vinho pode chegar a R$ 40 mil e qualquer mulher é recebida por quatro funcionários diferentes, da entrada até a mesa. De vestido Gucci (presente de Nicolas e um dos 80 que ela tem no armário) e bolsa Louis Vuitton, ela senta à mesa de frente para o “gringo”, que não pesa menos que 100 quilos. Ele segura sua mão, diz que está linda e pergunta o que quer beber. “Veuve Clicquot”, responde a garota de 25 anos, sem consultar o cardápio. Foi com ele que aprendeu que essa e Cristal são as melhores marcas de champanhe. O garçom serve a garrafa que custa R$ 406. Andressa não agradece. Abre o cardápio e seus olhos deslizam pela fileira dos preços. “Nem lembro o que comi da última vez. Escolho pelo mais caro, porque vendo que você é cara os clientes dão presentes bons”, explica. O raciocínio vale também para roupas e carros: “São investimentos”, resume ela. Andressa faz parte de um grupo de cerca de 300 garotas de programa que vivem em São Paulo, e engana-se quem pensa que elas se resumem a “modelos-manequins”. São também estudantes de enfermagem e profissionais de marketing, entre outras ocupações. Passar uma hora com elas custa entre R$ 1 mil e R$ 3 mil. Mas com Nicolas, cliente fixo de Andressa, tem algumas diferenças. A primeira e mais importante é que ele paga em euro – e um valor acima da média: 1.500. Por esse preço, ela até topa passar a noite numa suíte cinco estrelas que pode custar até R$ 22 mil. Além de Nicolas, ela tem um cliente fixo de 60 anos – paga a mensalidade da faculdade de enfermagem com parte dos R$ 10 mil que recebe para encontrá-lo cerca de três vezes por mês. Essas meninas não estão em casas como o Café Photo, que nos anos 90 era referência em prostituição de luxo. Hoje, estima-se que as garotas que frequentam o lugar cobram entre R$ 300 e R$ 500 por programa e chegam a atender até três clientes na mesma noite. Moram em regiões de classe média e média baixa de São Paulo, como zonas leste e norte, e fazem mais o estilo “gostosonas” do que as garotas de programa de luxo. Já essas meninas são discretas. Têm silhueta de modelo e não se vestem com decotes extravagantes, saias curtas e barriga à mostra. Além disso, não mentem o nome nem negam beijo na boca aos clientes. As amigas de profissão da Andressa têm entre 20 e 25 anos e atendem, sobretudo, empresários. Apesar de terem alguns clientes solteiros e jovens, a maioria deles é casada e já passou dos 40. Eles fazem questão de pagar caro por uma hora ao lado de prostitutas que não dão pinta de prostitutas. As garotas de luxo são muito parecidas com as mulheres que esses clientes conhecem nas baladas – mas com estas eles evitam ficar por serem casados ou para não correrem o risco de se envolver. “Vejo as garotas de programa como amigas que ajudo. É melhor do que ter uma amante, que pode começar a fazer cobranças”, explica Luciano*, 45 anos, casado, pai de dois filhos pequenos. Júnior*, um empresário de 32, enfatiza que a opção não tem a ver com estar mal no casamento: “Além da atração física, elas te elogiam, aumentam a autoestima. Por mais que o casamento seja maravilhoso, existem cobranças que com uma garota dessas não tem. Ela é só o lado bom”, confessa. Os clientes levam garotas como Andressa para passear em seus aviões particulares, barcos, helicópteros ou carros como Mini Cooper, Audi e Land Rover. Talvez por isso, mesmo quando não estão trabalhando elas não cogitam a hipótese de usar transporte público. Se interessam em namorar homens que tenham seus 30 anos – mais novo, só se for filho de milionário – e um carro que valha cerca de R$ 450 mil, como uma caminhonete BMW. “Estou com um namoradinho, mas vou acabar hoje. É pobre”, desabafa a paulistana Patrícia*, amiga de Andressa, numa conversa com a reportagem da Tpm em um restaurante dos Jardins. “Não quero casar com um cara que ganha R$ 3 mil por mês. Pra ficar dividindo conta e sustentando filho? Tô fora”, solta. Quando vão atender os clientes, elas usam táxi ou seus próprios carros – que vão de modelos populares, como Corsa, a importados automáticos, como Tucson. Se o cara é solteiro, muitas vezes são recebidas na casa deles, em bairros classe alta, como Jardins e Morumbi. Com os casados, os encontros costumam acontecer durante o dia, nos hotéis de luxo. Andressa conta que uma vez fazia sexo oral num cliente, no meio da tarde, quando tocou o celular dele. “Ele atendeu, fez sinal para eu continuar e falou: ‘Oi, amor, estou numa reunião’”, ri. Por receio de serem vistos, os brasileiros não costumam circular com elas em lugares públicos. Em compensação, os estrangeiros parecem fazer questão do contrário. “Sei que sou o tipo de mulher que o cara quer exibir como prêmio”, confessa Andressa, contratada por gringos, como Nicolas, através de agenciadoras (cafetinas com quem não têm nenhum vínculo). Mulheres invisíveis Das outras mesas do restaurante, mulheres acompanhadas de seus maridos curvam o pescoço, como que para ver melhor “a menina que está com aquele gordo”. Andressa não desvia o olhar do cardápio nem do cliente. “Mulher, sempre que vê outra mulher bonita, olha com reprovação, é normal”, observa ela. Como não está namorando, não tem receio de se expor jantando ao lado de Nicolas – mas confessa que teria vergonha se ele fosse “muito velho”. Apesar de Andressa estar à vontade, um funcionário antigo do restaurante garante que não reconhece seu rosto nem de nenhuma outra garota de programa de luxo por lá – onde é comum escutar engravatados falando inglês ou alemão em mesas que também já foram reservadas para Madonna e Yoko Ono. “Essas meninas existem sim. Mas, se vêm aqui, é com algum hóspede estrangeiro, e passam despercebidas”, garante, numa conversa informal. De fato, é o que elas dizem. “Não vou sozinha num lugar desses”, comenta Andressa, incluindo aí restaurantes “da rua Amauri”, no Itaim Bibi, bairro em que circula boa parte do PIB nacional e onde ficam os sofisticados Parigi, Magari, Ecco, Forneria San Paolo, entre outros. Apesar de sentir-se bajulada pelos garçons desses lugares – “eles sabem que vão ganhar gorjetas gordas dos nossos clientes” –, para ela e suas amigas ir a um restaurante como esses em um dia de folga é “programa de velho”. Andressa prefere festas fechadas, como uma no terraço da Daslu a que foi recentemente, ou áreas VIPs de baladas como o sertanejo Villa Country, frequentado por paulistanas de todos os tipos e classes sociais. Patrícia* também tem 25 anos, é formada em marketing, aluna de pós-graduação de uma faculdade respeitada de São Paulo e tem um cliente que deposita, “religiosamente”, R$ 5 mil por mês em troca de encontros esporádicos. Filha de um empresário bem-sucedido, ela tinha coleções de joias, sapatos, bolsas e viagens pelo mundo até seu pai perder tudo e ela passar a sustentar a casa com o salário de R$ 2.500 que ganhava como recém-formada. Há dois anos no ramo da prostituição de luxo, ela ajudou os pais a abrirem pequenas empresas e, quando não está trabalhado com eles ou com seus clientes, gosta de comer sushi em restaurantes de Moema – o que lhe custa uma média de R$ 100 por refeição, duas vezes por semana. Ainda mora com os pais, que acreditam que a filha ganhou uma bolada ao ser demitida do antigo emprego e que agora trabalha como freelancer na área de marketing. “Me considero privilegiada pelo meu trabalho. Essa oportunidade é um presente de Deus”, orgulha-se.
Luxo e lixo Taís*, 23 anos, estudou teatro, fez fotos para um site sensual recentemente – o que inflacionou seu cachê mínimo para R$ 2 mil – e já saiu correndo de um hotel ao encontrar Nicolas, o cliente que agora é atendido por Andressa. “Quando vi aquele obeso deitado na cama, fui embora!”, conta. Ela acaba de terminar um namoro com um cara que sabia sua profissão e aparentemente aceitava. “Mas, na hora das brigas, ele jogava na minha cara”, lamenta. Taís atrasou um encontro com a reportagem da Tpm porque estava fazendo a unha numa quinta-feira à tarde. Ela adora ir com as amigas ao Studio SP, ao Bar Secreto, à Pink Elephant, ao D-Edge e a outras baladinhas frequentadas pela juventude paulistana. Andressa ficou amiga de Taís quando viajaram juntas para uma cidade serrana em São Paulo, para trabalhar com uma turma de amigos empresários, banqueiros e executivos. Na ocasião, um deles fez questão de assistir a uma performance sexual entre as duas. Esse grupo viaja junto quatro vezes por ano para o interior do Brasil ou para algum lugar da América Latina. Leva sempre duas mulheres para cada homem e fecha os hotéis em que se hospeda, que costumam ser “pequenos e luxuosos” – Andressa e Taís garantem nem ter prestado atenção aos nomes desses lugares. Durante a viagem, todas as meninas têm direito a regalias oferecidas pelo lugar: piscina, ofurô, massagem, spa, comida no quarto, roupão extra… Esse tipo de viagem, promovido principalmente por milionários estrangeiros, existe aos montes, no mundo inteiro, e é a oportunidade mais cobiçada pelas garotas de luxo. Entre os destinos que se vangloriam de já terem conhecido, Patrícia, Taís e Andressa destacam Salvador, Rio de Janeiro, Milão e Roma (Itália), Ibiza e Madri (Espanha), Saint-Tropez (França) e Caribe. Saint-Tropez e Gucci Mas para chegar a esses lugares elas têm que passar por uma seleção – primeiro por fotos, depois pessoalmente – feita por cafetinas, que muitas vezes são ex-garotas de programa que já passaram dos 30 anos. As exigências são objetivas: as garotas têm que ser bonitas, elegantes, animadas, ou seja, estar a fim de diversão. O pagamento, feito por um assistente particular do “gringo”, é em dinheiro. Patrícia foi uma das escolhidas para ganhar mil euros por dia ao lado de meninas de várias nacionalidades (italianas, inglesas e russas, essas últimas tão requisitadas quanto as brasileiras por serem supostamente bonitas e descontraídas). Numa viagem a Saint-Tropez, sua mala Louis Vuitton viajou cheia de roupas justas, biquínis, calças Diesel e acessórios Gucci – mas sem exagerar na quantidade de cada item, pois a graça do passeio está em fazer compras e ganhar presentes. Levadas por um iate até o balneário francês – um dos points mais frequentados do planeta por jovens ricaços e famosos como Paris Hilton –, as garotas se hospedaram, por um mês, com os clientes, num dos melhores resorts da região. As suítes escolhidas estavam entre as mais caras: cerca de 2.900 euros por dia. Quanto ao trabalho, elas eram responsáveis por “brincar” com príncipes e sheiks árabes quando eles entravam no mar ou dançar para entretê-los durante a tarde. “Somos tratadas como rainhas”, garante Patrícia, que fez topless e tomou muito champanhe durante o trajeto de barco. “Os estrangeiros dificilmente querem muito sexo, eles gostam é de se exibir com a gente”, conta ela. De vez em quando, surgia uma oportunidade e ela transava com algum dos convidados do barco, o que lhe rendia gorjetas. Tanto Andressa, que nasceu no interior de Santa Catarina e pensava em ser freira quando criança, quanto Taís, natural de São Paulo, entraram no ramo pela indicação de amigas. No começo, achavam absurdas as histórias que ouviam. Mas vendo que as meninas não repetiam roupa, viajavam e iam a jantares chiques, começaram a questionar a vida convencional que levavam. “Na primeira vez que saí com um cliente fiquei bêbada, o cara teve que cuidar de mim. Levei um susto quando vi aquele bolo de dinheiro. Hoje me sinto pobre se tiver menos que R$ 1 mil na carteira”, conta Patrícia. “No início, eu pensava: ‘Meu Deus, sou uma puta!’. Saía do encontro e vomitava”, lembra Taís. Recentemente, ela recebeu um convite para um teste de elenco de uma peça e anda pensando em mudar de vida. “O problema é que vicia”, confessa. Quem dá mais? O vício é no dinheiro que entra rápido. Andressa conta que comprou um imóvel com os R$ 100 mil que juntou em um ano (sem considerar gastos com contas mensais, roupas, baladas, restaurantes e viagens). Mas, para a psicanalista Diana Corso, coautora do livro Fadas no Divã e colunista do jornal Zero Hora, não é só uma questão financeira. Ela acredita que toda mulher tem a fantasia de ser “puta”, de transar com vários homens, sem compromisso, e de ter certeza de que é desejada. “A garota de programa tem a garantia de que o cara a deseja, afinal ele está pagando”, analisa ela. O filósofo Luiz Felipe Pondé, colunista da Folha de S.Paulo, completa: “Essas garotas são acompanhantes, bonitas, divertidas, dá para ir ao cinema, jantar. Gostam de sexo, sabem fazer e não vão ligar na casa do cara no dia seguinte”, observa. Apesar de afirmar nunca ter gozado com um cliente, Andressa diz que às vezes sente prazer. Patrícia, quando questionada se gosta do que faz, responde: “Não é tão mau assim. Melhor que qualquer outro emprego que já tive”. Mas elas próprias admitem: “O valor mais importante da minha vida é o dinheiro”, diz Andressa, ressaltando que no Dia das Mães poderia comprar o presente que quisesse. Quando falam sobre viagens que fizeram ao exterior, a trabalho ou por lazer, o foco é sempre nas compras. Para elas, a qualidade das coisas é traduzida em cifras: o que é caro é entendido como bom. Mas ao entrarmos em seus apartamentos alugados, por exemplo, nos Jardins, por R$ 2 mil mensais, encontramos o avesso da ostentação. Enquanto ocupam-se de manter os corpos e seus enfeites atraentes, as paredes descascam, os poucos móveis não combinam e o quarto vive bagunçado. Essas garotas estão sempre repetindo que vão mudar de casa – e de profissão. A impressão que dá é que estão eternamente de passagem. * Taís, Andressa, Patrícia, Nicolas, Luciano e Júnior são nomes fictícios, usados para proteger suas reais identidades Preencha nosso formulário e comece a trabalhar hoje mesmo Aqui Seja uma Acompanhante de executivo